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Qual é a relação entre os crônicos déficits orçamentários do governo federal, a falência financeira dos estados (mais explicitamente o Rio de Janeiro), a resiliente carestia que nos açoita e a acentuada recessão econômica que nos flagela?

Resposta: todas elas foram causadas pela expansão do crédito, principalmente daquela modalidade de crédito comandada pelo governo federal.

Essa relação é bastante fácil de ser compreendida e percebida, mas apenas a teoria econômica da Escola Austríaca possui o ferramental teórico para explicá-la da maneira coerente.

Dois tipos de crédito no Brasil

Para entender a nossa atual encrenca, é crucial entender uma peculiaridade do nosso mercado de crédito.

Em comum com o resto do mundo, os empréstimos bancários no Brasil são feitos por meio da criação de dinheiro (processo este detalhado aqui).  No nosso atual sistema monetário e bancário, quando uma pessoa ou empresa pega empréstimo, os bancos criam dinheiro do nada — na verdade, meros dígitos eletrônicos — e simplesmente acrescentam esses dígitos na conta do tomador do empréstimo.  Portando, todo o processo de expansão de crédito nada mais é do que um mecanismo que aumenta a quantidade de dinheiro na economia.

Isso, vale repetir, é assim em todos os países do mundo.

No entanto, há aqui uma jabuticaba: há duas modalidades de crédito no país — o crédito livre e o crédito direcionado.

O crédito livre, como o próprio nome diz, representa os empréstimos que os bancos podem fazer para quem quiser, cobrando os juros que quiserem.  Eis aqui a tabela com os juros desta modalidade.  Observe na coluna “taxa de juros” os valores cobrados das pessoas físicas e das pessoas jurídicas.  Bem mais altos e variando de acordo com a SELIC.

Já o crédito direcionado representa os empréstimos que os bancos (majoritariamente os estatais) são obrigados a fazer a juros abaixo da SELIC.  Veja aqui nesta tabela os valores dos juros.  Bem abaixo da SELIC.

Como funciona o crédito direcionado?  Em termos práticos, o Tesouro repassa dinheiro dos nossos impostos para os bancos, e estes então emprestam esse dinheiro cobrando juros muito menores até mesmo que a taxa SELIC.

Essa modalidade de crédito praticamente não é afetada por aumentos da SELIC. A SELIC afeta apenas os juros do “crédito livre”.  Os juros do crédito direcionado são determinados pelo governo federal.

Só que há um detalhe: o Tesouro não tem dinheiro sobrando para repassar continuamente aos bancos (sendo o BNDES o mais voraz deles) com o intuito de manter o crédito direcionado fluindo eternamente.  Consequentemente, para conseguir esse dinheiro, o Tesouro tem de se endividar.  Ato contínuo, ele emite títulos da dívida com o intuito de arrecadar esse dinheiro.

Essa medida, como já mencionado, é inerentemente inflacionária.  Quem compra esses títulos emitidos pelo Tesouro é majoritariamente o próprio sistema bancário (tanto os bancos privados quanto os estatais).  E como ele compra?  Criando dinheiro do nada, pois opera com reservas fracionárias.

Ou seja, o endividamento do Tesouro para financiar o crédito direcionado é algo que ocorre via inflação monetária — ou seja, há um aumento da quantidade de dinheiro na economia.

Portanto, ficamos assim: a expansão do crédito — de qualquer modalidade, seja livre ou direcionado — é uma medida que aumenta a quantidade de dinheiro na economia.   Mas o crédito direcionado, além de aumentar a quantidade de dinheiro na economia, também aumenta a dívida do governo federal.

Entendido isso, prossigamos.

A fase do crescimento econômico

O ano de 2009 representa o ponto de ruptura da normalidade econômica brasileira.  Como reação à crise financeira mundial, o governo federal resolveu adotar medidas econômicas agressivas para evitar que a economia brasileira, até então apresentando um robusto crescimento, se desacelerasse.

A principal medida adotada foi exatamente a de aumentar o volume do crédito direcionado.

Veja no gráfico abaixo a evolução de ambas as modalidades de crédito. (Obs: como o Banco Central faz de tudo para atrapalhar, ele descontinuou as duas séries no final de 2012 e criou outras duas, que começam em 2007; daí cada série ter duas linhas.  Mas o que vale observar é a tendência de crescimento; na prática as linhas azul e verde são a mesma, assim como a vermelha e a amarela).

Gráfico 1: evolução nominal do crédito livre (linhas azul e verde) e do crédito direcionado (linhas vermelha e amarela)

Observe a guinada expansionista do crédito direcionado (linhas vermelha e amarela) a partir de 2009.

A expansão desse crédito aditivou, no curto prazo, o crescimento da economia.  E gerou também várias distorções, as quais culminaram na nossa desoladora situação atual.

E é aí que entra a explicação fornecida pela Teoria Austríaca dos Ciclos Econômicos, que é a única escola de pensamento econômico que apresenta uma explanação coerente desse fenômeno.

Apresentada ao mundo em 1912 por Ludwig von Mises, a teoria austríaca dos ciclos econômicos mostra que as crises econômicas são o resultado da intervenção estatal no mercado, principalmente no mercado de dinheiro e crédito.

Tudo começa quando o governo decide aditivar o crescimento econômico por meio da manipulação dos juros, com o intuito de aumentar o volume do crédito.  Como a taxa de juros é um preço como qualquer outro da economia, sua manipulação pelo governo irá, inevitavelmente, gerar distorções que se tornarão explícitas apenas no longo prazo.  E como o crédito é o grande impulsionador das economias atuais, sua crescente estatização irá trazer consequências inesperadas.

Quando o governo brasileiro reduziu artificialmente os juros do crédito direcionado em 2009 e aumentou o volume de empréstimos dessa modalidade, ele fez com que aqueles investimentos que antes não eram atraentes repentinamente se tornassem promissores. Quando os juros dos empréstimos bancários são reduzidos, aqueles projetos de longo prazo que antes eram inviáveis tornam-se agora — exatamente por causa dos juros mais baixos — aparentemente viáveis.

Esses projetos de longo prazo — como, por exemplo, empreendimentos imobiliários, construção de shoppings, fabricação de máquinas, e ampliação da capacidade produtiva das indústrias — são aqueles que demandam mais capital e mais investimentos vultosos. O que antes parecia caro, agora, repentinamente — por causa dos juros menores — parece bem mais acessível.

Ao mesmo tempo, e como já dito, a expansão do crédito gera um aumento generalizado na quantidade de dinheiro na economia. Como consequência, a renda nominal das pessoas aumenta.  Mais dinheiro na economia gera maiores gastos e maiores salários nominais.  Isso gera nos empreendedores a crença de que haverá uma contínua demanda futura para seus investimentos de longo prazo.

Ato contínuo, os investimentos começam a surgir mais intensamente na economia.

No primeiro momento, portanto, há uma grande sensação de prosperidade.  A renda nominal aumenta, os investimentos aumentam, o consumo aumenta e o desemprego cai.

E isso, de início, estimula os números do PIB, do emprego e da renda.

A sensação vivenciada pelas pessoas durante essa fase de prosperidade artificial é maravilhosa: a renda nominal cresce anualmente (eis uma notícia de 2010, exatamente no auge do boom da economia brasileira), investidores se animam ao ver que o valor de suas ações cresce diariamente (outra notícia de 2010, sendo que o recorde anterior da Bovespa havia sido alcançado em 2008); carros zero são vendidos em quantidades crescentes (notícia do início de 2011); apartamentos são vendidos ainda na planta; os estoques das empresas são prontamente vendidos; novos empreendimentos são iniciados diariamente; novos restaurantes e novas lojas são inaugurados diariamente; trabalhadores encontram empregos a salários nominais cada vez maiores; restaurantes estão sempre cheios e com longas listas de espera; as estradas ficam abarrotadas de carros de passeio e de caminhões de transporte; trabalhadores e sindicatos ficam mais exigentes porque, com o desemprego em queda, eles veem que os empresários estão dispostos a pagar caro por seus serviços; políticos se beneficiam dos números dessa economia que parece estar vivendo um grande momento, e começam a fazer proselitismo ideológico (e aí começam a propagar esquisitices como essa notícia de 2010, auge do boom); burocratas responsáveis pelo orçamento do governo ficam impressionados ao descobrir que, a cada ano, a receita aumenta em cifras de dois dígitos.

Enfim, a expansão do crédito gera distorções, mas gera uma prosperidade artificial que faz a alegria de muitos.

Porém, como essa expansão no crédito foi causada por uma redução artificial dos juros e não por um aumento na poupança (isto é, pela abstenção do consumo), isso significa que não houve uma liberação de recursos de um setor para ser utilizado em outro setor. Aí começam os problemas.

Mais dinheiro entrando economia via financiamentos para investimentos faz aumentar a demanda por mão-de-obra na indústria e na construção civil, mas ao mesmo tempo os setores de serviço e comércio continuam precisando de mão-de-obra e recursos, pois não houve aumento na poupança (abstenção de consumo). Assim, começa a haver uma batalha por mão-de-obra e por recursos.

Houvesse poupança genuína, a mão-de-obra de um setor seria liberada para outro setor, e os recursos mais demandados por um setor seriam liberados para outros setores. Mas como não há poupança, esses fatores de produção começam a ser disputados via aumentos salariais e aumentos de preços.

Assim, ao mesmo tempo em que uma construtora passa a demandar mais engenheiros, arquitetos, mestres-de-obras, corretores, vendedores, relações públicas etc., os setores de serviço e comércio continuam demandando com a mesma intensidade esses profissionais, pois as pessoas não estão poupando, o que significa que o consumo segue aquecido em todos os setores — a redução dos juros, como dito, não veio da poupança, mas sim da manipulação do governo.

O desemprego cai e os preços e os salários sobem.

Enquanto estiver havendo essa expansão do dinheiro e do crédito, mas os preços continuarem contidos — subindo a um ritmo moderado —, os números positivos da economia irão durar. A demanda por bens e serviços irá continuar em alta. Os estoques das empresas serão prontamente vendidos. Apartamentos continuarão sendo vendidos na planta. Novos empreendimentos continuarão sendo iniciados. Carros zero continuarão sendo vendidos aceleradamente. Novos restaurantes e novas lojas continuarão sendo abertos. Os preços e os lucros continuarão subindo. Trabalhadores continuarão encontrando empregos a salários nominais cada vez maiores.

No entanto, tal expansão econômica não pode durar. Em algum momento, essa expansão monetária começará a provocar um aumento generalizado nos preços.  Quando a carestia estiver incomodando, os juros irão subir, encarecendo novos empréstimos. A expansão do crédito irá se desacelerar.

Manipulando os preços para manter a expansão do crédito

E foi exatamente aí que o governo Dilma adotou três medidas que prolongaram ainda mais a expansão do crédito.  Para impedir que os preços subissem e, consequentemente, que o Banco Central tivesse de elevar a SELIC para conter o crédito livre e o Ministério da Fazenda tivesse elevar os juros do crédito direcionado, o governo federal:

1) ainda em 2012, decidiu reduzir pontualmente os impostos que incidem justamente sobre aqueles itens que têm mais peso no cálculo dos índices de inflação ao mesmo tempo em que aumentou os impostos sobre aqueles itens que nem sequer entram no cálculo da inflação (como os carros importados);

2) também em 2012, unilateralmente decide revogar os contratos de concessão das empresas de geração e transmissão de energia (os quais terminariam entre 2014 e 2018) com o intuito de fazer novos contratos e impor tarifas menores. Com isso, os preços das tarifas caem e afetam o IPCA, que passa a apresentar uma inflação de preços menor.

3) em 2013, obrigou a Petrobras a vender às distribuidoras gasolina abaixo do preço pelo qual ela foi importada.  Consequentemente, o preço da gasolina, que é um dos principais componentes dos índices de inflação, ficou congelado em 2013 e 2014 (e o capital da Petrobras foi dizimado por essa política de importar caro e vender barato);

Com essas medidas, as quais seguraram o IPCA, a expansão do crédito pôde continuar por um período de tempo prolongado, sem que a inflação de preços incomodasse muito.  Mais ainda: isso não apenas permitiu que o Banco Central não elevasse os juros, como, para aumentar ainda mais o desarranjo, os reduzisse ao menor nível da história do real.

Os três gráficos abaixo ilustram isso.

Este gráfico mostra a taxa de crescimento acumulada em 12 meses do crédito livre (azul) e do crédito direcionado (vermelho).  Obs: começa em 2008 por causa daquela lambança feita pelo Banco Central no gráfico 1.

Gráfico 2: taxa de crescimento acumulada em 12 meses do crédito livre (azul) e do crédito direcionado (vermelho)

Observe que o crédito livre, após se desacelerar fortemente em 2009, volta a se acelerar em 2010, mantendo-se acelerado até meados de 2011.  A partir daí, no entanto, ele começa a ser cada vez mais desalojado pelo crédito direcionado.

Já o crédito direcionado, após sua brutal aceleração em 2009, mantém-se forte em 2010, dá uma ligeira arrefecida em 2011 (mas sempre crescendo mais que o crédito livre, e sempre acima de 20% ao ano, que é uma taxa muito alta), e volta a se acelerar forte em 2013, ano em que se intensificou a Nova Matriz Econômica.

Agora veja taxa de crescimento em 12 meses dos preços livres (todos os preços que são determinados livremente pelo mercado) e dos preços controlados pelo governo (taxa de água e esgoto, energia elétrica, gás de bujão, transporte público, combustíveis, plano de saúde, pedágio, licenciamento, IPTU, IPVA).

Gráfico 3: taxa de crescimento em 12 meses dos preços livres (azul) e dos preços controlados pelo governo (vermelho)

Com as manipulações do governo, ele não apenas consegue derrubar a taxa de crescimento dos preços controlados aos menores níveis em uma década, como também, em 2012, consegue reduzir os preços livres por causa daquela redução pontual de impostos.

Isso permitiu que a expansão do crédito (gráfico 2) apresentasse aquela acelerada em 2013, chegando a quase 28% ao ano, um crescimento um tanto astronômico.

No entanto, e obviamente, esse prolongamento artificial da expansão do crédito simplesmente desarranjou ainda mais a economia.  Já em meados de 2013, a população começa a perceber que há algo de errado: embora os preços controlados pelo governo estejam em níveis historicamente baixos, os preços livres estão em seus maiores níveis desde 2003.  Ela sai às ruas para protestar.

Consequentemente, o Banco Central começa a subir os juros de forma mais intensa e prolongada.

Gráfico 4: evolução da Taxa SELIC. Após a mínima história de 7,25% no final de 2012, a SELIC sobe chegar a 14,25% em julho de 2015

Ao mesmo tempo, o modelo de crédito direcionado começa a perder fôlego e começa a se desacelerar fortemente ao final de 2013 (vide o gráfico 2).  O crédito livre, por sua vez, já vinha se desacelerando desde meados de 2011.

Ainda assim, o governo é reeleito (por uma margem apertada) ao final de 2014.

No entanto, no início de 2015, após garantir a reeleição apertada (exatamente porque a economia já estava dando sinais de fadiga), o governo faz o inevitável: aumenta alguns impostos que havia reduzido, corrige toda a defasagem dos preços da gasolina e das tarifas de energia elétrica, que estavam represados há quase 3 anos.

Como consequência, o índice de preços explode (gráfico 3).

O Banco Central, por sua vez, eleva seguidamente a taxa SELIC (de uma mínima de 7,25% para 14,25%) para tentar conter essa disparada da carestia.

Essa subida dos juros acaba por interromper completamente a expansão do crédito livre.  Já o crédito direcionado, com a total exaustão do Tesouro, desacelera vertiginosamente: após ter crescido a uma taxa anual de 28% em meados de 2013, passa a crescer apenas 4% no início de 2016.

Essa quase estagnação da expansão do crédito não apenas reduz o crescimento da renda, como ainda a faz entrar em contração. A renda dos consumidores, que até então era crescente, entra em queda. Como os preços ainda seguem crescendo, e como os consumidores estão mais endividados, sua capacidade de consumo é afetada.

Assim, toda aquela demanda inicialmente esperada para os investimentos não se concretiza.  A indústria começa a apresentar grande ociosidade.  Os shoppings recém-construídos ficam às moscas.  Os preços dos imóveis, que foram construídos na expectativa de encarecimento contínuo, caem. Os restaurantes ficam vazios.  As demissões disparam.

Vários investimentos feitos, vários bens de capital produzidos durante o período da euforia, bem como vários empreendimentos imobiliários, se tornam ociosos, revelando que sua produção foi um erro e um esbanjamento desnecessário, pois os empreendedores se deixaram enganar pela abundância do crédito, pela facilidade de seus termos e pelos juros baixos estipulados pelo governo.

Quando a expansão do crédito é exaurida, a realidade vem à tona, o mercado inevitavelmente aponta os erros cometidos durante esta época de exuberância, e todos os empreendimentos que foram iniciados porque pareciam lucrativos revelam-se excessivamente ambiciosos e acabarão sendo um grande desperdício. A mão-de-obra neles empregada é demitida.

Esses são os efeitos gerados pela expansão do crédito sobre a indústria, sobre o comércio e sobre o setor de serviços: todos eles se expandem mais do que deveriam durante o período da expansão do crédito e, ao término, entram em contração, com demissões em massa.

Não adianta re-estimular

Vale enfatizar que a economia entra em recessão exatamente porque os fatores de produção foram mal direcionados e os investimentos foram errados. Capital foi imobilizado em investimentos para os quais nunca houve uma demanda genuína (apenas artificial, impulsionada pela expansão do crédito).

Na prática, capital e riqueza foram destruídos. Cimentos, vergalhões, tijolos, britas, areia, azulejos e vários outros recursos escassos foram imobilizados em algo para o qual nunca houve demanda genuína. A sociedade está mais pobre em decorrência desse investimento errôneo. Recursos escassos foram desperdiçados.

O governo querer estimular o consumo de algo para o qual nunca houve demanda natural irá apenas prolongar o processo de destruição de riqueza. Querer voltar a expandir o crédito e tentar criar demanda para estes investimentos errôneos irá apenas prolongar esse cenário de desarranjo, destruindo capital e tornando a recessão ainda mais profunda no futuro.

(Com o agravante de que consumidores e empresários estarão agora bem mais endividados, em um cenário de inflação alta — por causa da expansão do crédito —, e sem perspectiva de renda).

O efeito sobre as finanças

Enquanto o crédito estava se expandindo, a quantidade de dinheiro na economia seguia crescendo.  Com mais dinheiro sendo criado e jogado na economia, a renda das pessoas crescia, os investimentos aumentavam e, principalmente, as receitas dos governos federal e estaduais se expandiam.

Assim como empreendedores acreditavam que o crescimento da renda nominal das pessoas seria contínuo e garantiria demanda eterna para seus investimentos, os governos federal e estaduais também acreditavam que suas futuras receitas iriam aumentar para sempre.  Consequentemente, expandiram seus gastos e sua folha de pagamento despreocupadamente.

Porém, todo esse erro de cálculo começou a ser exposto já em meados de 2014.  Com a elevação da SELIC para 14,25% (gráfico 4), não apenas a expansão do crédito se desacelerou, como também os empreendedores deixaram de investir na economia e passaram a direcionar seu dinheiro para aplicações financeiras.

O gráfico a seguir mostra a evolução da quantidade de dinheiro nas contas-correntes dos bancos.  Essa modalidade é importante porque mostra a quantidade de dinheiro prontamente disponível para empresas consumirem e investirem.  Como se trata de uma aplicação que não paga juros, o dinheiro em conta-corrente representa aquele dinheiro que está sendo continuamente transacionado na economia.

Gráfico 5: evolução da quantidade de dinheiro nas contas-correntes dos bancos

Quando essa quantidade de dinheiro está crescendo, isso significa que as empresas estão com mais capital de giro e com mais dinheiro disponível para investir e ampliar sua capacidade produtiva.  Suas receitas nominais também são crescentes.  Igualmente, as pessoas estão consumindo mais e o governo está arrecadando mais.  Já quando a quantidade de dinheiro está diminuindo, isso significa que as empresas estão retirando dinheiro da conta-corrente e aplicando em outras modalidades, como CDB, fundos de investimento e títulos do Tesouro, para se aproveitar dos juros.  Ou seja, não estão dispostas a investir na economia.  Como efeito colateral, a arrecadação dos governos cai.

Inicialmente, repare que, quando a SELIC aumenta (2003, 2005, 2008, 2011, 2014 e 2015), a quantidade de dinheiro em conta-corrente pára de crescer.  Isso porque as empresas retiram o dinheiro dali e aplicam em papéis que rendem juros.

Repare também que, em 2014, a quantidade de dinheiro em conta-corrente para de crescer e, em 2015, entra em queda livre.  Em 2016, a queda continua.  A atual contração é inédita na história do real.  Como a SELIC está subindo desde abril de 2013, deixar dinheiro na conta-corrente representa um crescente custo de oportunidade.

Essa combinação entre menos dinheiro voltado para o consumo e para investimentos na economia, em conjunto com uma carestia alta (majoritariamente causada pela liberação dos preços que estavam represados e pela desvalorização cambial), gerou, além da explosão do desemprego, toda a queda na renda real que a população está sentido.  E gerou também toda a queda na arrecadação dos governos federal e estaduais.

Em termos práticos, há hoje nas contas-correntes a mesma quantidade de dinheiro que havia no início de 2010.  Só que todos os preços estão muito maiores.  Daí a sensação (real) de queda na qualidade de vida das pessoas, principalmente dos mais pobres (que são os que deixam dinheiro parado em conta-corrente).  Há menos dinheiro tendo de lidar com preços mais altos.

E há menos dinheiro para os governos arrecadarem e, com isso, financiarem todo o aumento de gastos em que incorreram durante os anos da bonança.

O atual desarranjo das contas dos governos é uma consequência direta dos aumentos de gastos que foram implantados durante a época da bonança e que agora não mais têm como ser financiados.  Literalmente, acabou o dinheiro.

E os governos, ainda assim, querem aumentar impostos para poder manter o mesmo — e insustentável — nível de gastos.

Conclusão

Após ter sido bombardeado por inúmeras propagandas ufanistas e eufóricas durante os últimos 13 anos, as quais prometiam um Brasil grande e de prosperidade eterna, é natural que o brasileiro hoje se sinta deprimido, e até mesmo revoltado, ao constatar que foi enganado e que aquela economia pujante que lhe haviam prometido nada mais era do que um conto de fadas.

Ludwig von Mises explicou bem este componente emocional em suas obras.  As pessoas se acostumam a um padrão de vida crescente durante a fase da expansão econômica artificial e, mais tarde, quando a nova realidade se impõe avassaladoramente, elas se recusam a aceitar que tudo não havia passado de uma gostosa mentira, pois imaginavam que aquela fase próspera realmente representava um novo e definitivo padrão.

Aturar corrupção, uma infraestrutura caótica e serviços públicos moçambicanos é relativamente fácil quando se está com a renda crescendo mais que os preços e com a capacidade de consumo em alta.  Porém, tão logo esses indicadores se invertem, a depressiva realidade se impõe e resta ao cidadão ir protestar nas ruas clamando por medidas que arrefeçam sua situação.  Ninguém vai às ruas protestar contra a corrupção quando a economia está com bons indicadores, a capacidade de consumo está em alta e o dinheiro chega até o final do mês.  No entanto, basta esses indicadores piorarem, que todo o esforço de mobilização se torna mais fácil.  Até mesmo para derrubar presidente. (Alguém, por exemplo, acredita que Collor caiu por causa de um Fiat Elba?)

O fato é que o povo brasileiro queria crédito farto a juros baixos para comprar imóveis, carros, motos, televisores e outros eletrodomésticos.  Conseguiu.  Queria que o governo expandisse continuamente seus gastos para, dentre outras coisas, aumentar as contratações para o setor público, que é o objetivo de vida de vários integrantes da classe média.  Conseguiu.  Queria que o governo protegesse a indústria nacional e seus empregos aumentando as alíquotas de importação de praticamente todos os produtos estrangeiros .  Conseguiu.

E aceitou que o governo utilizasse o BNDES para conceder empréstimos subsidiados para grandes empresas, as quais iriam se transformar em “campeãs nacionais”.

O povo aprovou tudo isso, e agora está tendo de arcar com as consequências destas políticas.

Não existe mágica em economia.  Uma medida aparentemente benéfica — “quem pode ser contra a redução dos juros?!”, desafiavam os defensores do governo — gerou consequências desastrosas.

Além de tudo o que foi acima descrito, é importante ressaltar que a intervenção estatal para reduzir os juros do crédito direcionado também gera o efeito não-premeditado de fazer com que a SELIC tenha de ser mais alta do que seria caso contrário (ver detalhes aqui) e encarecer ainda mais os juros do crédito livre (ver detalhes aqui)

A missão de um economista é, acima de tudo, apontar as relações de causa e efeito — as mais ignoradas na economia.

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