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Esta semana bateu-me uma dúvida. Olhei-me no espelho e perguntei-me: faço a contabilidade lendo somente as normas do Conselho Federal de Contabilidade – CFC?; lendo somente as regras constantes da Lei 6404/76 (Lei das S.A. ou lei das sociedades por ações)?; lendo só o Código Civil?, ou coloco tudo num liquidificador e faço um sundae.

Parece-me estar havendo um tremendo duplo trabalho. Vejamos: A Lei das S.A., como o próprio nome indica, diz respeito mais às sociedades por ações (é verdade que nos contratos das sociedades limitadas pode ser colocada a regência supletiva pela lei de S.A.). E ela trata, em detalhes de questões contábeis. As regras do Código Civil (artigos 1.179 e seguintes) tratam da escrituração referindo-se ao empresário e à sociedade empresária (que pode ser limitada ou S.A., uma duplicidade, portanto). Trata ele, também, com menos detalhes, de questões contábeis. E temos o Conselho Federal de Contabilidade – CFC que, segundo a Resolução 711/91 (que dispõe sobre as Normas Brasileiras de Contabilidade, que são baixadas pelo CFC) diz, em seu artigo 1º: “As Normas Brasileiras de Contabilidade (NBC) constituem corpo de doutrina contábil que estabelece regras de conduta profissional e procedimentos técnicos a serem observados quando da realização dos trabalhos previstos na Resolução CFC nº 560/83, de 28/10/1983” (esta Resolução trata das atribuições do contabilista, entre elas a escrituração contábil das entidades).

A Lei das S.A. começou bem quando no artigo 177 dispõe: “A escrituração da companhia será mantida em registros permanentes, com obediência aos preceitos da legislação comercial e desta Lei e aos princípios de contabilidade geralmente aceitos, devendo observar métodos ou critérios contábeis uniformes no tempo e registrar as mutações patrimoniais segundo o regime de competência.” Um parêntese: a referência a “princípios de contabilidade geralmente aceitos” deve ser lida como “princípios fundamentais de contabilidade – PFC” e a referência à adoção do “regime de competência” deve ser esquecida porque é redundância (“regime de competência” faz parte do universo dos PFC. Se os princípios devem ser observados, é lógico que isso inclui o “regime de competência”). Quando muito, ao artigo 177 da Lei 6404/76 poderia ser acrescido mais um parágrafo ordenando que a escrituração deve obedecer a procedimentos técnicos do Conselho Federal de Contabilidade e demais entidades autorizadas por lei (caso do Banco Central em relação às instituições financeiras, SUSEP em relação às seguradoras etc). Eliminar-se-iam umas cinco seções do capítulo XV da Lei. E, nessa linha, o Código Civil poderia fazer exatamente o mesmo. Com isso o CFC seria o “pai da matéria” sem precisar ficar correndo atrás da Lei 6404/76 que, alterada pela Lei nº 11.638/07, cujas alterações já foram novamente modificadas pela Lei 11.941/09, tudo na busca frenética dos famosos princípios contábeis internacionais (IFRS). Ou seja, as normas vindas em leis ordinárias devem ter consumido horas e horas de trabalho até sua promulgação para, em paralelo, o Comitê de Pronunciamentos Normas Contábeis (que congrega cinco grandes entidades, inclusive o CFC) elaborar seus pronunciamentos que são materializados em resoluções, pelo CFC.

A propósito dessa confusão e no contexto contábil atual, fico com a frase de preocupação atribuída a Ricardo Mariz de Oliveira, mais ou menos assim: se não tomadas as devidas medidas, as demonstrações financeiras das empresas brasileiras acabarão sendo muito entendidas lá fora e não entendidas por aqui. Aí você me pergunta: Sim, Rabelo. E qual foi a resposta para as perguntas feitas diante do espelho? A resposta está aí: uma sugestão de mudança.

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